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Martha - Profª de Português,Espanhol,Memórias e Sexualidade. Raquel - Formada em Letras e pós-graduanda em Práticas e Vertentes do Ensino.

sábado, 16 de agosto de 2008

UM SÁBADO DE SÓLIDO SOL

Martha Catalunha


Alguns professores são uma “ menção honrosa” em seu trabalho. Assim foi Ariosto Augusto de Oliveira, meu professor de Técnicas de Redação por aqueles decorridos de faculdade.
Foi mais tarde, contista e cronista no extinto “Notícias Populares”, cuja coletânea resultou no livro Caradura .
Foi premiado em 2.000 pela “Academia Paulista de Letras” por seu romance Vila Nova de Málaga, considerado o melhor do ano.
Foi considerado pelo jornal “O Estado de São Paulo” – após a publicação do romance O Vau da Vida – “um grande escritor, um talento fora do comum, quase mergulhado no anonimato”, e, o citado romance, “é obra superior de quem amadureceu na lida ficcional e sabe tecer uma história sem modelo conhecido”.
Seu conto Um Sábado de Sólido Sol de seu livro Seis Ficções à Deriva lançado em 2.007, foi, recentemente, submetido a um ensaio acadêmico escrito por mim, sobre suas influências literárias do grande maestro de língua espanhola Miguel de Cervantes, autor da novela “Dom Quixote de La Mancha”, cujo êxito de vendas mundial só não supera a Bíblia Sagrada.
Foi finalmente entrevistado para o VIVASP por esta colaboradora do site, eu.

1 – Como você recebeu meu trabalho de seu conto Um Sábado de Sólido Sol, o qual desenvolvi buscando suas Influências cervantinas que identifiquei na primeira leitura que fiz do conto?
AAO - Com enorme espanto e, posteriormente, com agradabilíssima surpresa, pois seu modo de ler meu texto corrobora a amplitude do espectro literário, fixado de maneira ímpar por Fernando Pessoa, quando escreveu:
“Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê.”
Ato e findo: eu escrevi o conto Um Sábado de Sólido Sol; você o leu e, a seu modo, o sentiu.

2 – Quais referências literárias você tem hoje em sua literatura?
AAO – Não creio que possua – hoje – referências literárias. Alguns autores agradam-me, outros desagradam-me; e os que me agradam agora, às vezes, desagradavam-me. Entre agrados e desagrados, alinhavo minha escritura, procurando pontas soltas dentro dos acontecimentos como quem, sob um céu de espessas nuvens, cata fugazes brilhos de mortas estrelas.

3 – Fale sua opinião sobre os minicontos, chamados também de contos mínimos, contos de bolso e contos de bolsa iniciados pelo escritor guatemalteco Augusto Monterroso, tendo como maior expoente no Brasil o escritor Marcelino Freire.
AAO – Para mim os minicontos são burlas. Há no” Dom Quixote” uma personagem que se refere a pintores tão inventivos que, ao pintarem um galo, apressavam-se a escrever ao pé do quadro: isto é um galo. Também os minicontistas poderiam auxiliar os leitores, fechando o texto com um solene alerta: Isto é um miniconto.

4 – Como aconteceu sua mudança de gênero literário, visto que, iniciou sua escrita com a literatura marginal, passou para contos breves e atualmente possui um gênero “tradicional”?
AAO – Minha mudança de temas e formas literárias foram lentas, porém definitivas. O jagunço Riobaldo (” Grande Sertões Veredas”, Guimarães Rosa) afirma lá pelas tantas: Minha competência veio aos passos. Quanto a mim, minha competência – se é que alguma me cabe – emparelha-se com a do jagunço: Comprei-a aos passos.

5 – Fale um pouco do “ser escritor” em nosso país, o Brasil.
AAO – Grosso modo, ser escritor hoje é procurar desbragadamente aparecer na televisão, opinando sobre o reduzido índice de natalidade dos pandas gigante; ser entrevistado pelos profissionais do jornalismo literário para afirmar que o congraçamento da camada de ozônio com os montículos de carbono expelidos pelos veículos podem causar câncer de próstata nos prosadores, já que estes passam muito tempo sentados diante dos computadores; desfilar em carros alegóricos no carnaval e, em festivais literários, ler para uma platéia de colegiais obtusos o parágrafo inicial de um novo texto: A irrefragável flatulência dos carecas em áreas públicas. E, se, ainda, houver o concurso do destino auxiliando, sair com um cachezinho no bolso para as cervejas das horas vivas e das horas mortas.

6 – Como você vê a literatura atual?
AAO – Há uma afirmação de um crítico – a qual não sei se irônica ou veraz – que, com a chegada dos blogs, basta ter um computador para surgirem a cada dia novos Marcelos Mirisolas e uma infinidade de Brunas Surfistinhas.

7 – O que você aprecia ler hoje?
AAO – Como sempre, continuo leitor de muita prosa e pouquíssima poesia. Às vezes, para desemperrar o veio lírico, dou-me à leitura dos cancioneiros medievais galego-portugueses, dando muita valia à fescenidade das cantigas de Mal-Dizer.

8 – Dê sua opinião sobre a controversa proposta de Mudança na Ortografia da Língua Portuguesa.
AAO – Os países de língua portuguesa têm grandes diferenças culturais e sociais, e juntar todos num só balaio para escreverem de forma única, parece-me que nos querem meter num leito de Procusto (mitologia grega), cortando a cabeça e os pés dos que extrapolam a medida das tábuas do leito e matando, por espichamento, aqueles de medidas menores. Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Brasil e Portugal que escrevam de acordo com suas realidades e necessidades. O Latim aonde foi pariu-se em novos latins de diversas maneiras de se escrever: o francês, o espanhol, o português, o galego e o italiano.

9 – Quem quiser ler seus livros, onde poderá encontrá-los?
AAO – Meus livros despertam reduzidíssimo – ou mesmo nenhum – interesse nos leitores e, por essa razão, são escassas as livrarias que os têm à venda. Talvez, o lugar mais indicado para encontrá-los seja na Nanquin Editorial onde se acham soberbamente encalhados.

10 – O panorama catastrófico e acintoso da política e cultura de nosso país permeia suas narrativas. Fale um pouco sobre esse processo.
AAO – Este desgraçado país foi, ao longo de sua história, um repositório dos interesses econômicos muito bem definidos pelas camadas do poder. A título de exemplo exemplaríssimo temos um grande cafeicultor paulista (hoje nome de rua e praça) o qual apoiava a abolição da escravatura com apenas duas ressalvas: a) o Imperador indenizaria os cafeicultores, pagando o preço de mercado de preto a preto a ser libertado; b) o Imperador custearia integralmente a introdução da mão-de-obra dos novos colonos. Às camadas populares cabe chafurdarem no caldo de miserabilidade que lhes coube, haja vista a grita das elites contra o Bolsa-Família instituída pelo Presidente Lula. Recentemente, li, num grande jornal de São Paulo, os comentários virulentos de uma assinante revoltadíssima contra a cota racial para negros nas Universidades. Dizia a assinante, descendente de ilustres troncos paulistas, que melhor seria para o país os negros, os pardos, os mulatos, os sararás ingressarem em cursos profissionalizantes que os preparam para os ofícios de copeiros, arrumadeiras, cozinheiras, passadeiras, jardineiros, motoristas, babás – profissões tão úteis às famílias de representação, hoje, necessitadíssimas dessa mão-de-obra, assaz carente nos lares paulistanos. E, ainda, havia um adendo à missiva: como essas profissões não são exercidas no âmbito fabril ou comercial, torna-se um verdadeiro absurdo essas relações serem regidas pelas Leis do Trabalho com as exorbitâncias de registro em carteira, férias, 13º salário, horas-extras, recolhimento do INSS e o depósito no maldito Fundo de Garantia.

Podemos observar pela entrevista que, o “professor-escritor” Ariosto, leva com crítica cáustica e mordaz o timão de sua literatura. E, dentro do seu universo de lucidez, mantém viva a memória cultural paulista-brasileira de nossa época, tão necessária quanto à própria existência da arte.

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