Minha foto
Martha - Profª de Português,Espanhol,Memórias e Sexualidade. Raquel - Formada em Letras e pós-graduanda em Práticas e Vertentes do Ensino.

sábado, 23 de agosto de 2008

"DA FORÇA DA GRANA QUE ERGUE E DESTRÓI COISAS BELAS

Martha Catalunha

Passeando pela avenida símbolo de São Paulo nascida em 1891, ostentação da aristocracia cafeeira e dos imigrantes exitosos instalados na promissora capital paulistana, a Avenida Paulista, conheci Adolpho Rodrigues - o Machado – como gosta de ser chamado, lá no “casarão” de nº 1.919, construído para o aristocrata cafeeiro Joaquim Franco de Mello no ano de 1.905, hoje o último exemplar remanescente da primeira fase residencial da mesma avenida e já tombado pelo Condephaat.
Machado, extraordinário conhecedor de toda a história do famoso “casarão”, é o caseiro da família Franco de Mello; administra a casa e é o responsável para fazer os eventos.
Lá, aos domingos, Machado nos oferece um longo passeio pela São Paulo de outrora, expondo seu rico acervo de cinco mil fotos antigas de nossa querida cidade. E histórias é que não faltam dessa sua atividade dominical de envergadura cultural.
Conta Machado que, uma vez uma senhora lá entrou e ficou por uns quinze minutos olhando para a mesma foto. Emocionada e com os olhos marejados em lágrimas, virou-se para ele e disse que o garoto da foto abraçando um poste na Rua da Consolação em frente ao Teatro Record dos anos 70, era seu filho ainda menino, que havia morrido uns anos mais tarde. Comovido, Machado presenteou a mãe com a foto do filho, a qual ela desconhecia.
Outra vez, um senhor lhe perguntou se ele tinha uma foto de uma casa na Paulista de nº 1.415. Machado, com sua memória prodigiosamente fotográfica e um arquivista histórico da memória arquitetônica de nossa megalópole, lhe mostrou a foto contando que a casa era de um libanês e foi demolida nos inícios de 70. Esse senhor lhe falou que nasceu naquela casa, pois esse libanês era seu avô. Ligou para sua avó e confirmou a demolição em 1974 para a construção do Banco Sumitomo e hoje Banco do Brasil.
Ainda na década de 70, quando a casa de nº 1.318 foi demolida, Machado fazia a limpeza do porão. Com sua perspicaz inteligência, ficava “de olho” nas possíveis relíquias históricas do lugar. Encontrou jogado nos destroços, um álbum de fotografias, e em uma delas, posava com muita pompa, D. Francisquinha Nogueira de Moraes Barros em sua própria residência. Ele a guardou e reproduziu em cartão. Sabe quem é D. Francisquinha? A mãe de Maria Angélica Aguiar de Barros, que deu nome à Avenida Angélica, que anteriormente se chamava Avenida Itatiaia.
Há uns três anos, um senhor olhando uma de suas fotos, deu um salto ao ver seu avô junto com outros operários em frente à mansão do Conde Francisco Matarazzo que estava sendo construída em 1.945. Seu avô veio da Itália justamente para trabalhar como Encarregado de Obras para o Conde.
Outra história interessante, é de uma mulher de mais ou menos 30 anos que lhe perguntou se ele tinha foto do casarão da Paulista nº 124 com a Rua Joaquim Eugênio de Lima – conhecida como Casa Mourisca – assim denominada pelo seu extraordinário estilo, árabe com arcos e piso em mosaico feitos a mão. Ele lhe mostrou a foto. Ela, após ler as reportagens já feitas a ele que ficam fixadas no portão de entrada, perguntou se ele lembrava-se dela. Ele respondeu que muita gente passa para ver seus cartões; então ela lembrou-lhe que, era aquela menina que andava de carrinho de rolemã no pátio da mesma Casa Mourisca onde ela morava – era a casa de sua avó – e quando ele lá trabalhou um tempo como jardineiro, brincava um pouquinho com ela que lhe chamava de “Tachado” porque não sabia pronunciar Machado.
Aliás, quando da demolição desta preciosa casa (foto anexa), Machado e outros colegas ativistas, abusados de muitas valentias naquelas épocas de desairosa ditadura militar, para a preservação do patrimônio arquitetônico, recolheram lençóis de demolições e escreveram num deles: “Fora picaretas”, e no outro: “Da força da grana que ergue e destrói coisas belas”* (esta parodiando Sampa de Caetano Veloso), e foram em frente à casa para protestar. A polícia foi chamada e eles levados ao Quarto Distrito, onde ficaram por umas horas, por serem considerados “vândalos” da Paulista, artigo 59 – da vadiagem – que assinavam ao sair de lá.
Machado, uma vez estando num ônibus, viu dois vasos com mudas de coqueiro jogadas numa caçamba na rua. Desceu do ônibus para recolhê-las, e com sua visão ecológica plantou-as no canteiro da Paulista em frente ao casarão. O pé de abacate em frente ao Consulado Italiano, também na Paulista, é obra dele.
Um dos grandes sonhos de Machado atualmente, que decerto logo ele concretizará, é o “Projeto Brilha Paulista”. Por ter sido criança de rua em sua infância, e adulto se tornado cartofilista iconográfico, quer dizer, colecionador de cartão postal antigo – idealiza um projeto: fazer a doação de parte de seu acervo de fotos e cartões postais que datam de 1.886 a 1.970, para bibliotecas comunitárias de vilas e escolas públicas, com o objetivo do estudo e preservação da memória da história da nossa cidade. Para viabilizar este Projeto busca patrocínio. Idéias e criatividade não faltam para este homem que tem entre seus clientes alunos de arquitetura, urbanismo, engenharia e outros que fazem pesquisas e trabalhos sobre a cidade.
Com boas certezas, Machado com seus expressivos e atentos olhos verdes, faz parte da plêiade de viventes altruístas que, com seus inúmeros atributos, dimensiona destemido seus fazeres, e os tornam mais belos.

Um comentário:

BlogdaTeca disse...

Li com alegria o texto de vocês sobre os casarões da Av. Paulista. Muitos espaços que antes eram ocupados por casarões hoje são ocupados por estacionamentes... uma perda imensa para todos nós! Resta-nos algumas fotos, poucos casarões e mais raras ainda pessoas que possam nos remeter ao passado!

Obrigada!