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Martha - Profª de Português,Espanhol,Memórias e Sexualidade. Raquel - Formada em Letras e pós-graduanda em Práticas e Vertentes do Ensino.

sábado, 23 de agosto de 2008

O BURACO DA BALA

Martha Catalunha

"Nós todos viemos do inferno; alguns ainda estão quentes de lá" (Guimarães Rosa, escritor).
Das múltiplas imagens que recordo quando passo em frente àquele edifício na pomposa avenida Angélica, uma em especial tem lugar naquele fatídico dia em que, o ritmo de alguns minutos estendeu-se para sempre no baile com as minhas memórias.
Estava eu imberbe em meus vinte e dois anos, privilegiadamente trabalhando numa das raríssimas empresas de informática em São Paulo. Acabava de voltar do almoço e junto ao Juva, nosso office-boy, preenchia algumas folhas de cheque de alguns pagamentos, pois era o dia do recebimento do nosso salário.
Subitamente, ouvimos gritos estridentes, nossos olhares se encontraram e, ambos nos dirigimos à entrada do nosso andar. Caminhando poucos passos, Juva virou-se para mim, e, não permitindo que eu me aproximasse mais, disse:
- Martha, volta, é um assalto!
Incrédulos, com nossos corações em taquicardia e com os semblantes desfigurados, buscamos um esconderijo rapidamente dentro de divisórias labirínticas e vazadas. Fui parar de joelhos debaixo da mesa de um de nossos chefes, e o Juva, deitado ao meu lado. Nos vimos trêmulos, batendo os dentes, e, solidariamente de mãos dadas tentando apoiar um ao outro na razão de existir daquele trágico panorama que representava quiçá, a morte iminente.
Um dos larápios chegou na porta da sala onde estávamos, só conseguiu ver o Juva, fez sinal de positivo para ele, e saiu. Que alívio!
Em nosso refúgio da mordaça, ouvimos todo o alvoroço dos assustados gatunos que invadiam a empresa em busca do posto bancário localizado em nosso andar. Gritavam ameaçando com revólveres dois colegas de trabalho - colocados pela má sorte em frente aos bandidos no inusitado momento.
Por ser ali o Setor de Vendas e Marketing da empresa, os telefones nunca paravam; como ninguém os estava atendendo, a telefonista, sem entender o que acontecia - pois trabalhava em outro andar - passava as ligações de um ramal ao outro, para o nosso enlouquecimento e dos criminosos que procuravam destroçar os aparelhos quando os encontravam, temerosos que algum funcionário os atendessem.
Ao encontrarem o posto bancário, o segurança fechou a porta tentando impedi-los. Aos trancos, e, com muitas ameaças, conseguiram entrar e pegar todo o dinheiro. Correram para o elevador onde ficou um deles rendendo os ascensoristas e desceram para o térreo, desavisados que, naquele tumulto, um de nossos colegas de trabalho conseguiu ligar para sua esposa pedindo para ela chamar a polícia. No "L" da recepção do prédio, foram surpreendidos com a polícia que acabava de chegar. Um dos assaltantes, com o revólver em punho, ao dar de cara com um tenente, conseguiu atirar em sua cabeça, matando-o imediatamente. No tiroteio, apenas um foi detido, os outros conseguiram fugir. Eu não me lembro se houve recuperação do dinheiro ou não, mas as perfurações da bala ficaram numa parte de metal junto à porta de entrada do imponente e antigo edifício na avenida Angélica de Higienópolis.
Atravessamos mais de vinte anos, e, o buraco da bala está lá, apontando as intermitências daquele dia, que veio revestido de muita maldade, entretanto, trazendo um verniz de nostalgia daquela época, com muita saudade.

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