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Martha - Profª de Português,Espanhol,Memórias e Sexualidade. Raquel - Formada em Letras e pós-graduanda em Práticas e Vertentes do Ensino.

sábado, 23 de agosto de 2008

SENHORAS E SENHORES: O PRIMO BASÍLIO

Martha Catalunha

"Se todos os seus esforços forem vistos com indiferença,
não desanime,
porque o Sol, ao nascer,
dá um espetáculo todo especial
e no entanto, a maioria da platéia
continua dormindo".
Kid Soneto e seus versos selvagens

Idos de 80... eldorado de minha juventude... entre sonhos rendilhados e realizações inacabadas criamos um grupo teatral na faculdade: "Kid Soneto e seus versos selvagens". Foi idéia da Ana Nilce, que, num sábado à tarde, passou em todas as salas do curso de Letras perguntando quem queria fazer teatro. Da minha classe eu fui a única que, no sábado seguinte estava reunida com os demais interessados para conhecer a proposta.
Na época, meu namorado o Jonas, que não estudava lá, se interessou, e convidou seu amigo Luís que já havia terminado o curso de Letras na mesma faculdade.

Ana Nilce fez uma adaptação para teatro do romanesco livro português "O Primo Basílio" de Eça de Queiroz.

Era uma comédia musical que procurava fundir o circo, o rádio e a televisão de auditório, com inserções de propagandas da época das rádio-novelas e horóscopo, sob a mediação de dois apresentadores.

Até música ela e seu marido compuseram para a peça, cujo título era "O Inferno no Paraíso". O projeto nos empolgou. A administração da faculdade concordou em nos patrocinar e disponibilizar todo o material necessário.

Apresentadas as personagens, sem delongas escolhi a minha: uma das glamorosas apresentadoras, e a Denise ficou com a outra. O Jonas não queria fazer nenhuma personagem. Acabou ficando com duas em pequenas participações: o primo Ernestinho que escrevia para teatro, e o policial Mendes - este não consta da história original, foi criado especialmente em nossa arrojada adaptação. É que ele queria e fez toda a parte de bastidores junto com o Luís; escolheram a trilha musical da peça, criaram o cenário, fizeram o orçamento e as compras lá na Rua 25 de Março de todo o material necessário para compor o espetáculo.

Foi idéia dele também a reprodução do tiro mortal que foi desferido numa das personagens: bater com muita força o solado de um sapato masculino no chão, cujo piso era daquelas saudosas madeiras antigas de requintada qualidade. Substituído outras vezes, pelo estouro de uma bexiga. Com exaustivos ensaios, o resultado foi genial.

O Luís que já era sedutor e metido a galã por natureza, fez o cafajeste Basílio: o amante que dilacera a sentimental prima Luísa, mulher casada, ociosa e enfadada com o casamento, encenada pela Lina alternadamente com a Nereide.

O Ivan - namorado da Dorah na vida real - fez o marido traído, Jorge.

A Dorah foi a encarregada da coreografia e encenou a personagem Leopoldina: uma Vênus com muitos episódios amorosos que excitavam a sociedade burguesa da época.

O Joaquim encarnou o Sebastião, o protetor camarada do casal protagonista da história.

Quem roubava as cenas, era a Laila interpretando magistralmente e de forma caricatural a empregada Juliana. Recordo-me que a cada ensaio, feito em inesquecíveis domingos, ela revelava sua verve cômica, com notável talento para o papel.

Mais tarde chegou o Álvaro, amigo do Jonas e do Luís, para fazer o papel do "sorteado da noite". Era assim: numa das intervenções que nós apresentadoras fazíamos, dizíamos à platéia que, embaixo de uma das cadeiras havia um papelzinho com a palavra "chave". O sortudo que o encontrasse, ganharia um carro patrocinado pelas Faculdades São Marcos.

O papel da extraordinária surpresa era colocado pelo próprio Álvaro em sua cadeira, e ao "encontrá-lo", levantava-se exultante e subia no palco para nos mostrar. Nós o beijávamos, e dávamos uma chave de carro para ele, dizendo que o automóvel estaria à sua disposição quando terminasse a peça. O público percebia a brincadeira e dava muitas risadas. Ele voltava para o seu lugar em estado de graça, sorrindo e mostrando o papel para todos.

Terminados os extenuantes ensaios, tivemos que fazer a primeira apresentação para alguns professores. Gostaram, riram e aprovaram, ufa!

Chegou a noite memorável da estréia. Foi na 6a. feira da Semana de Letras. Aulas suspensas para todos os alunos nos assistirem.

Tangidas pelas vozes de tamanha lotação no auditório, entramos garbosamente no palco eu e a Denise para iniciar o espetáculo:

JUNTAS: Senhoras e Senhores, boa noite!
Apresentadora 1: Calouros da esquerda, boa noite!
Apresentadora 2: Calouros da direita, boa noite!
JUNTAS: Veteranos, muito boa noite!
Apresentadora 1: Estamos aqui, com muita alegria, para lhes apresentar...
Apresentadora 2: Um espetáculo retumbante! Inesquecível!
JUNTAS : O INFERNO NO PARAÍSO!
As cenas começaram a se desenrolar com o empolgante frenesi da platéia.

Ao fim, fomos muito aplaudidos, e, por um feliz período nos apresentávamos aos fins de semana na faculdade.

Depois, como o deus Dionísio* nos fazia companhia, alguém do grupo conseguiu que nos apresentássemos no Teatro Cacilda Becker em São Bernardo do Campo e na Faculdade Oswaldo Cruz.

Foi dessas felicidades passadas, e devidamente guardadas...

E assim nossa última fala finalizava o espetáculo:

- Nossos atores são polivalentes. Eles cantam, dançam, sapateiam e às vezes, até representam.

- Nós elaboramos uma surpresa sensacional para o encerramento do show.

- Com vocês, o nosso CORPO DE BAILE!

Todos, com vontades imperiosas, entravam triunfalmente no palco para dançar e cantar a música a seguir:

A nossa história já terminou

Que bom se você gostou

Que satisfação, quanta emoção

Representar pra você

Por isso se você quiser

E se vontade tiver

Volte amanhã outra vez

Volte amanhã outra vez...

BIS

*deus Dionísio: deus do prazer, da alegria, do êxtase e do vinho.

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